A migração é um processo dinâmico tanto ao nível populacional como do comportamento individual, o qual é extremamente influenciável por factores externos. Exemplos são o efeito da temperatura no momento de decisão de início da migração (nível populacional) ou a disponibilidade de alimento e eficiência de alimentação no tempo de permanência num stopover (nível individual) [1]. Esta sensibilidade torna as aves migradoras particularmente vulneráveis ao efeito das alterações climáticas.
Efectivamente, para muitas espécies foram já descritas alterações nos hábitos de migração [2](Pardela 26) que estão na origem, por exemplo, do início precoce da migração primaveril ou no início tardio da migração outonal, o que origina em algumas espécies a permanência por um alargado período nas áreas de reprodução [2]. No limite deste fenómeno, em algumas espécies uma parte da população passou a invernar na área de reprodução surgindo assim uma população residente estável, como é o caso das gaivotas-de-asas-escuras (Larus fuscus) em Inglaterra ou aparentemente das cegonhas (Ciconia ciconia) em Portugal. Existem ainda espécies que deslocaram os limites de distribuição mais para Norte, deixando de ocorrer nas áreas mais a Sul e aumentando a sua distribuição mais a Norte.
Consoante as espécies estas respostas dão-se ao nível comportamental, com os indivíduos a alterarem os hábitos de migração, ou ao nível populacional, reflectindo alterações genéticas que se mantêm através da selecção natural e que podem incluir mecanismos como o acasalamento concordante como é caso da Toutinegra-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla) a invernar no Reino Unido (Pardela 26).
Um outro efeito já descrito, é a redução das distâncias percorridas durante a migração. Os indivíduos ao encontrarem condições propícias em zonas onde anteriormente era impossível ou muito difícil sobreviver ao Inverno acabam agora por aí invernar. Esta deslocação das áreas de invernada para zonas mais a Norte da distribuição histórica poderá ter custos muito diferentes para as espécies. Na Europa um caso a salientar é o das cegonhas cuja proporção de indivíduos que migram para África tem vindo a reduzir nas últimas décadas com o incremento de indivíduos a invernar na Península Ibérica [3].
Estes efeitos são especialmente interessantes para as regiões do Sul da Europa, localizadas entre as zonas de reprodução mais a Norte na Europa e as zonas de invernada em África. Este é o caso da Península Ibérica que é uma região de passagem em migração para a maioria dos migradores da zona mais ocidental da Europa.
Assim, Portugal poderá ter um papel vital na compreensão de como este dinâmico comportamento irá variar com o clima. Contudo, para tal são necessários dois requisitos fundamentais. O primeiro é a necessidade de se conhecer qual a situação actual, espécies migradoras, períodos de migração e distribuição dos invernantes. A este nível destacam-se alguns estudos fundamentais como as campanhas de Sagres e de Santo André e dos excelentes estudos com espécies como é o caso do Pisco [4] e da Cigarrinha-ruiva [5]. O segundo é a necessidade de implementação de esquemas de monitorização que permitam compilar dados de base para caracterizar estas possíveis mudanças. Neste sentido, o ideal seria a constituição de um projecto nacional que congregasse esforços e padronizasse metodologias de modo a maximizar a obtenção de informação.
1. 2008. Climatic change and the conservation of migratory birds in Europe: identifying effects and conservation priorities. Pages. 2nd Meeting of the Group of Experts on Biodiversity and Climate Change. Council of Europe.
2. 2004. Ibis 146: 48-56.
3. 2001. The ring 23: 73-79.
4. 2004. Journal of Avian Biology 35(3): 204-209.
5. 2006. Journal of Avian Biology 37(1): 117-124.
Paulo Marques