quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Dados, informação e conhecimento (Publicado na Pardela 35)

Esta é a última “A ciência das aves”. Ao fim de quarto anos creio que ficaram ilustradas as principais áreas da ornitologia em Portugal. Na essência, a ideia desta coluna foi divulgar conhecimento.

Conhecimento é poder. Poder de melhor decidir, no sentido em que permite uma melhor decisão.

O processo de produção de conhecimento é longo e inclui a elaboração da abordagem ao problema, a colheita de dados e a sua análise, ao que se junta a revisão por pares e a publicação. Neste contexto, conhecimento é o resultado final deste processo em que depois de colhidos os dados, estes são analisados para produzir informação que é tornada pública após o escrutínio prévio por pares. Em Portugal a necessidade de conhecimento é grande porque os processos biológicos não estão suficientemente conhecidos.

Neste sentido, o compromisso de quem realiza estudos tem de ser a produção de conhecimento. Os dados per se não podem constituir o resultado de um estudo. Torná-los públicos não produz conhecimento mas pelo menos possibilita a sua utilização por outros para produzir conhecimento ... É preciso conhecer para conservar!!!!

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Fêmeas imitam fêmeas na escolha do parceiro

A informação está à nossa volta; seja na nossa forma de ver o mundo, i.e. informação pessoal ou individual, seja por observar como os outros se comportam face ao mundo, i.e. informação pública. Esse também é o caso de outros animais e mesmo plantas. Por exemplo, fêmeas de uma dada espécie quando procuram um parceiro para acasalar observam os diferentes machos e escolhem o melhor, utilizando a sua informação sobre o macho, que conseguem observar, através da informação pessoal. Contudo, seria de esperar que caso existisse informação pública sobre a qualidade dos machos as fêmeas também a utilizassem.

Muito recentemente, uma equipa que integrava a investigadora Susana Varela publicou um artigo na Current Biology demonstrando que as moscas usam informação pública aquando da prospecção de parceiro para acasalar. Este estudo evidencia ainda que se existir um conflito entre a informação pessoal, aquela que consegue extrair directamente, e a informação pública, aquela que é extraída através da observação do comportamento de outras fêmeas, as moscas utilizam a informação pública. Estes investigadores descobriram ainda que as moscas conseguem associar uma característica do macho ao seu sucesso (presença de fêmeas) e futuramente seleccionar preferencialmente outros machos que possuam a mesma característica, mostrando que as moscas são capazes de generalizar informação aprendida socialmente. Este estudo demonstra que as moscas detêm capacidades cognitivas impensáveis até há muito pouco tempo. 

Portanto, pense duas vezes da próxima vez que for matar uma mosca da fruta.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Os odores nas notícias

Pois é, parece que a navegação dos pombos é notícia... ainda bem.

Contudo, há sempre um senão. A referência ao que era previamente aceite como verdade em ciência como "crença" é um pouco demais, mesmo para uma certa charmosa liberdade literária.

Assim, para que fique claro, o que era considerado anteriormente como sendo o papel dos odores na navegação não era uma "crença", pois estava estabelecido em estudos experimentais bem realizados, em que a interpretação dos resultados era coerente. Isto é muito longe daquilo que popularmente se denomina por crença.

O mérito deste trabalho é reavaliar as conclusões anteriores à luz de uma abordagem experimental elegante, aprofundando um pouco mais as conclusões anteriores . O mérito da equipa liderada por Paulo Jorge é produzir uma nova conclusão que unifica os seus resultados com os da investigação anterior.

Assim se faz ciência.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

O cheiro como activação da orientação

Centenas de trabalhos no último século têm tentado compreender como as aves e em geral todos os organismos se orientam. Como na maioria dos casos em ciência, uma resposta trás consigo uma dúzia de novas perguntas. Muitos mecanismos de orientação têm sido descritos ao longo dos anos nos diferentes grupos animais, como por exemplo, navegação magnética, pelas estrelas, marcos no terreno, luz polarizada ou odores.

Os pombos têm sido o modelo por excelência para o estudo da orientação e navegação tendo contribuído em muito para o actual estado de conhecimento.

Uma das teorias dominantes sobre a orientação nos pombos defende que estes usariam um mapa de odores para se orientar, teoria que vem dos anos oitenta e que teve suporte experimental em trabalhos realizados em Itália e na Alemanha. Dia 9 de Abril foi alcançado um grande marco no estudo da orientação em vertebrados com a publicação do trabalho intitulado “Activational Rather Than Navigational Effects of Odors on Homing of Young Pigeons”, tentativamente, os odores têm um efeito de activação mais do que de navegação em pombos jovens.

Neste trabalho, publicado na prestigiada Current Biology, a equipa liderada por Paulo Jorge demonstrou experimentalmente que os odores representam um papel importante no processo de orientação, mas não como fonte directa de informação. Mas então como é que os odores auxiliam a orientação?

Os seus resultados mostram que pombos privados de odores apresentavam uma pior performance de navegação que pombos com acesso a odores naturais, como os resultados de experiencias anteriores de outros autores. Contudo, a utilização de um segundo control, em que se fornecia odores sintético permitiu obter resultados de performance de navegação semelhantes ao dos odores naturais. Ora, este resultado espantoso contraria o possível papel dos odores como informação para a navegação em vez disso suporta a hipótese de os odores funcionarem como uma espécie de activação dos mecanismos de recolha de informação de navegação. Cada variação de odor levaria o pombos a recolher informação de navegação, como marcos terrestres ou magnéticos. Como na ciência ideal, esta hipótese explica os resultados anteriores, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento. Este trabalho representa um avanço muito significativo nesta área do conhecimento.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Sexo, comida e evolução


Sempre evitei estudar espécies muito próximas do Homem para evitar problemas de objectividade e especulações. Audácia daqueles que o fazem.

Cristina M. Gomes e outro autor publicaram recentemente um artigo em que mostram que chimpanzés selvagens fêmeas copulam mais frequentemente com machos que tenham partilhado comida com elas (num período anterior de 22 meses). Este artigo vem assim suportar a hipótese de troca de carne por sexo (meat-for-sex hypothesis). A ideia não é nova mas este grupo do Max Plank Intitute for Evolutionary Anthropology apresenta pela primeira vez evidências directas que esse é o caso nos chimpanzés. E claro que sendo uma associação poderá sempre ter outras interpretações, contudo a relação está estabelecida, sex and meat. Inclino-me para a interpretação dos autores, o apelo dos benefícios directos. Quer esta associação seja de facto uma troca directa ou não este estudo salienta a importância do contributo da investigação científica na reflexão de quem somos como espécie e qual é o nosso lugar no universo.
Muitas vezes tento mostrar que o homem não é muito diferente dos outros animais e o que me delicia neste estudo é mostrar que os animais não são muito diferentes do Homem.

ponto final

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Migração e clima (publicado na PARDELA 34)

A migração é um processo dinâmico tanto ao nível populacional como do comportamento individual, o qual é extremamente influenciável por factores externos. Exemplos são o efeito da temperatura no momento de decisão de início da migração (nível populacional) ou a disponibilidade de alimento e eficiência de alimentação no tempo de permanência num stopover (nível individual) [1]. Esta sensibilidade torna as aves migradoras particularmente vulneráveis ao efeito das alterações climáticas.

Efectivamente, para muitas espécies foram já descritas alterações nos hábitos de migração [2](Pardela 26) que estão na origem, por exemplo, do início precoce da migração primaveril ou no início tardio da migração outonal, o que origina em algumas espécies a permanência por um alargado período nas áreas de reprodução [2]. No limite deste fenómeno, em algumas espécies uma parte da população passou a invernar na área de reprodução surgindo assim uma população residente estável, como é o caso das gaivotas-de-asas-escuras (Larus fuscus) em Inglaterra ou aparentemente das cegonhas (Ciconia ciconia) em Portugal. Existem ainda espécies que deslocaram os limites de distribuição mais para Norte, deixando de ocorrer nas áreas mais a Sul e aumentando a sua distribuição mais a Norte.

Consoante as espécies estas respostas dão-se ao nível comportamental, com os indivíduos a alterarem os hábitos de migração, ou ao nível populacional, reflectindo alterações genéticas que se mantêm através da selecção natural e que podem incluir mecanismos como o acasalamento concordante como é caso da Toutinegra-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla) a invernar no Reino Unido (Pardela 26).
Um outro efeito já descrito, é a redução das distâncias percorridas durante a migração. Os indivíduos ao encontrarem condições propícias em zonas onde anteriormente era impossível ou muito difícil sobreviver ao Inverno acabam agora por aí invernar. Esta deslocação das áreas de invernada para zonas mais a Norte da distribuição histórica poderá ter custos muito diferentes para as espécies. Na Europa um caso a salientar é o das cegonhas cuja proporção de indivíduos que migram para África tem vindo a reduzir nas últimas décadas com o incremento de indivíduos a invernar na Península Ibérica [3].

Estes efeitos são especialmente interessantes para as regiões do Sul da Europa, localizadas entre as zonas de reprodução mais a Norte na Europa e as zonas de invernada em África. Este é o caso da Península Ibérica que é uma região de passagem em migração para a maioria dos migradores da zona mais ocidental da Europa.

Assim, Portugal poderá ter um papel vital na compreensão de como este dinâmico comportamento irá variar com o clima. Contudo, para tal são necessários dois requisitos fundamentais. O primeiro é a necessidade de se conhecer qual a situação actual, espécies migradoras, períodos de migração e distribuição dos invernantes. A este nível destacam-se alguns estudos fundamentais como as campanhas de Sagres e de Santo André e dos excelentes estudos com espécies como é o caso do Pisco [4] e da Cigarrinha-ruiva [5]. O segundo é a necessidade de implementação de esquemas de monitorização que permitam compilar dados de base para caracterizar estas possíveis mudanças. Neste sentido, o ideal seria a constituição de um projecto nacional que congregasse esforços e padronizasse metodologias de modo a maximizar a obtenção de informação.




1. 2008. Climatic change and the conservation of migratory birds in Europe: identifying effects and conservation priorities. Pages. 2nd Meeting of the Group of Experts on Biodiversity and Climate Change. Council of Europe.
2. 2004. Ibis 146: 48-56.
3. 2001. The ring 23: 73-79.
4. 2004. Journal of Avian Biology 35(3): 204-209.
5. 2006. Journal of Avian Biology 37(1): 117-124.


Paulo Marques